As cordilheiras da região ocidental dos Balcãs conservam uma parte da história europeia suspensa no tempo. Agora, uma nova grande rota de caminhada espera partilhar o legado desta região que esteve fechada ao mundo devido a uma série de conflitos ocorridos no século XX.

Com 495 quilómetros, o High Scardus Trail atravessa as fronteiras do Kosovo, da Albânia e da Macedónia do Norte, descendo até um dos lagos mais antigos e profundos do continente europeu. Situado a cerca de 2.750 metros de altitude, é um reino enevoado com inúmeros picos verdes, salpicado por pastagens debruadas por riachos. Muitos dos trilhos actualmente usados foram originalmente construídos por caravanas romanas no século II d.C.

O High Scardus Trail termina no lago Ohrid, na Macedónia do Norte, onde os visitantes podem ver a Igreja de São João, em Kaneo, na imagem, junto à margem.
MATTHEW NELSON

O High Scardus Trail termina no lago Ohrid, na Macedónia do Norte, onde os visitantes podem ver a Igreja de São João, em Kaneo, na imagem, junto à margem.

Embora o High Scardus esteja a ser desenhado há anos – a ideia surgiu em 2016 – só agora se apresenta suficientemente bem estruturado para receber caminhantes de longo curso. As etapas foram cartografadas, os marcadores pintados, os albergues restaurados e as casas transformadas em hospedarias.

A última paisagem bravia da Europa

Durante as guerras da Jugoslávia, no final do século XX, as cumeeiras da região ocidental dos Balcãs serviram como pontos estratégicos de vantagem militar. No conflito do Kosovo (1998-99), a fronteira alpina entre o Kosovo e a Albânia ficou repleta de minas terrestres. O Kosovo foi declarado livre de minas em 2001, mas as montanhas permaneceram longe da vista dos turistas.


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Décadas mais tarde, as coisas estão a mudar. “Queremos que as pessoas saibam que, sim, o Kosovo tem um passado triste e difícil, mas estamos a trabalhar arduamente para nos tornarmos um destino turístico e para mostrarmos ao mundo a nossa fabulosa natureza e cultura”, diz Taulant Hoxha, que cresceu na cidade de Prizren durante a guerra do Kosovo. Hoje, é uma das donas do serviço de guias de montanha Super Xplorers e participou na criação do trilho High Scardus.

Um guia de viagem local põe lenha no forno numa cabana de montanha abandonada, onde os caminhantes pararam para secar as roupas molhadas e esperar que a tempestade passasse.
MATTHEW NELSON

Um guia de viagem local põe lenha no forno numa cabana de montanha abandonada, onde os caminhantes pararam para secar as roupas molhadas e esperar que a tempestade passasse.

Serpenteando por algumas das montanhas menos visitadas da Europa, o trilho atravessa seis parques nacionais – dois na Macedónia do Norte, um no Kosovo e três na Albânia.

“Uma vez que abrange vários países e ambientes, achamos que tem condições para se tornar um trilho de topo na Europa e até no mundo”, considera Ekrem Hyseni, gestor de projecto da GIZ, um departamento de desenvolvimento internacional do governo alemão que ajudou a criar o trilho.

A aventura completa (e recomendada) implica fazer as 20 etapas da caminhada com a ajuda de guias, mas isso demora 20 dias – e como cada país só permite a contratação de cidadãos nativos no trilho, os caminhantes têm de arranjar vários guias ao longo da viagem.

Um pastor albanês local posa para um retrato enquanto acolhe caminhantes de regresso ao Kosovo, durante uma tempestade.
MATTHEW NELSON

Um pastor albanês local posa para um retrato enquanto acolhe caminhantes de regresso ao Kosovo, durante uma tempestade.

 

O trilho começa na Macedónia do Norte, no recentemente restaurado Mountain Hut Ljuboten, um refúgio para caminhantes da década de 1930, situado na pequena aldeia de Staro Selo. Partindo dali o trilho acompanha a fronteira entre o Kosovo e a Macedónia do Norte ao longo das montanhas Sharr, antes de rumar a Brezovica, uma estância de esqui que permite um vislumbre da era socialista do Kosovo. Os caminhantes seguem pelos pequenos trilhos, frequentemente esbatidos pelas charnecas, ao longo dos flancos setentrionais de Sharr.

O caminho prossegue, atravessando planícies e planaltos, até ao cume do monte Korab (2.752 metros), o pico mais alto da Albânia e da Macedónia do Norte, onde pastores semi-nómadas que protegem o seu gado dos ursos e lobos nativos oferecem abrigo aos viajantes.

Ao longo da rota, hospedarias como a Sabriu e a Korabi, na Albânia, recebem os turistas, convidando-os a experimentar os costumes locais e a provarem fatias de queijo de cabra temperado com ervas e raki, um brandy doce, após um farto jantar caseiro.

A última etapa, na Macedónia do Norte, leva os caminhantes a atravessar o Parque Nacional de Galicica até Sveti Naum, um popular mosteiro situado na margem do lago Ohrid. A região do Ohrid é uma de 28 locais simultaneamente reconhecidos como Paisagem Natural e Património da Humanidade da UNESCO (devido ao seu lago com 1,36 milhões de anos e à Cidadela, um dos povoados humanos mais antigos que se conhecem no mundo).

Existem no trilho outras relíquias da história do século XX da região ocidental dos Balcãs, como os bunkers “nucleares” do antigo ditador Enver Hoxha, na Albânia, um suporte de metralhadora na Macedónia do Norte e estruturas abandonadas da era socialista no Kosovo.

Caminhando em prol de uma economia sustentável

Embora o High Scardus pretenda mostrar as jóias da região ocidental dos Balcãs, é igualmente um projecto de desenvolvimento sustentável. Espera-se que dê origem a um ecossistema empresarial, melhorando a qualidade de vida dos autóctones e dando-lhes razões para ali permanecerem.

Um caminhante atravessa a folhagem outonal numa secção do trilho High Scardus, na região ocidental dos Balcãs.
MATTHEW NELSON

Um caminhante atravessa a folhagem outonal numa secção do trilho High Scardus, na região ocidental dos Balcãs.

“Acima de tudo, esperamos que as populações jovens olhem para a sua terra natal a partir de uma nova perspectiva, da qual possam sentir-se orgulhosos”, diz Stefan Lieb-Lind, desenhador principal de trilhos da empresa de consultoria Trail Angels, que trabalhou na criação do High Scardus.

Suscitar o entusiasmo dos governos é um processo de longo prazo, mas os programas de formação e os subsídios já contribuíram para o aparecimento de unidades de alojamento ao longo do trilho e desencadearam interesse local no investimento nas zonas rurais em seu redor.

“[Após] anos de planeamento, a escolher trilhos, criar rotas [e a] convencer os proprietários de casas e terras a virarem-se para o turismo – agora parece, finalmente, realidade”, diz Lieb-Lind. “O High Scardus já não é uma ideia. As rodas estão em movimento.”

A saber

Como lá chegar: O ponto de partida é Stato Selo, a uma hora de carro de Skopje, a capital da Macedónia do Norte. O ponto de chegada é Sveti Naum, no lago Ohrid, a 40 minutos de autocarro – ou a bordo de um barco privado – da cidade de Ohrid.

Quando ir: A melhor altura é de meados de Junho a meados de Outubro. Fora dessa época, a neve pode impedir o acesso (excepto nas etapas de menor altitude, no início de Junho).

Visitas guiadas: Várias agências de viagens, como a Shar Outdoors, a Elite Travel Albania e a Super Xplorers, organizam expedições guiadas para caminhadas de vários dias.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.