Roma não foi feita num dia, mas grande parte dela poderá ser devastada em poucas horas quando houver um evento de clima extremo, dizem os especialistas que estudam a vulnerabilidade da cidade. O aumento das temperaturas está a tornar as tempestades de grande intensidade mais frequentes em todo o mundo, mas aquilo que faz com que Roma seja uma bomba-relógio é uma combinação de infra-estruturas desactualizadas e décadas de decisão de políticas de planeamento que praticamente ignoraram a crise em curso.

O CLIMA ESTÁ A MUDAR, A CIDADE ETERNA NÃO.

Desde 2008 que as chuvas fortes aumentam em frequência e intensidade e cerca dos 20 dos eventos mais extremos registados entre 2010 e 2020 causaram cheias significativas na zona urbana, afirma o Euro-Mediterranean Center on Climate Change. Até chuvas moderadas transformam regularmente algumas ruas da cidade, que se desdobra sobre colinas, em rios pavimentados que fluem para as zonas baixas, inundando paragens de metropolitano e passagens subterrâneas.

As vagas de calor são o reverso da medalha climática. Nas últimas duas décadas, as temperaturas médias aumentaram 3,6 °C em Roma, face ao período compreendido entre 1971 e 2000, e o número de mortes relacionadas com o calor entre adultos com mais de 50 anos aumentou 22 por cento. As taxas de mortalidade entre os idosos dispararam durante o Verão junto às ilhas de calor urbanas em permanente expansão. O clima de Roma é um pêndulo que oscila entre a seca e as cheias, mas a cidade ainda não tem um plano de adaptação e a sua complexa estrutura multissecular está particularmente exposta a variações climáticas.

“As alterações climáticas estão a exacerbar problemas pré-existentes”, diz Andrea Filpa, arquitecto e planeador urbano da Universidade de Roma Tre e co-autor do primeiro mapa de vulnerabilidades de Roma.

A sua investigação salientou alguns dos principais obstáculos na adaptação da cidade às alterações climáticas. Por exemplo, mais de 90 por cento do solo da zona urbana está impermeabilizado, impedindo a drenagem da água. Diversos bairros não têm sistemas de esgoto eficazes, sendo mais propensos a inundações. Algumas zonas junto à costa foram reclamadas ao mar no século XIX e encontram-se actualmente abaixo do nível do mar, exigindo um bombeamento constante da água para se manterem secas. A cidade também tem uma das concentrações de edifícios ilegais mais elevadas das capitais europeias e é um gigante administrativo com uma área cerca de dois terços maior do que a cidade de Nova Iorque.

Mais de 90 por cento do solo da zona urbana de Roma está impermeabilizado, impedindo a drenagem da água


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“A abordagem antiga seria pensar nas infra-estruturas que poderíamos construir para enfrentar os novos desafios, mas isso não funciona numa cidade como Roma”, diz Filpa. “A abordagem mais sensata implica observar tudo aquilo que fazemos, desde reparações rodoviárias a novas construções de uma perspectiva climática, avaliando cuidadosamente o seu impacto. Este é o passo conceptual mais difícil para uma cidade como esta, que está exposta a uma teia de desafios”.

Tibre
SHUTTERSTOCK / CATARINA BELOVA

Vista do rio Tibre em Roma. A principal ameaça de devastação para esta cidade histórica vem da água. Roma foi construída sobre um equilíbrio hidráulico concebido para um clima pré-industrial. Uma inundação maciça do Tibre seria desastrosa. Os especialistas dizem que não se trata de saber se vai acontecer, mas sim quando.

A AMEAÇA PRINCIPAL

A principal ameaça vem da água. A cidade assenta num equilíbrio hidráulico concebido para um clima pré-industrial. Uma cheia maciça do rio Tibre poderia ser devastadora e a questão não é se irá acontecer – mas quando. Os especialistas concordam que o ponto de viragem das margens do rio situa-se na zona norte da cidade, nas proximidades da ponte Milvian, onde as tropas de Constantino I derrotaram Maxêncio em 312 d.C., coroando-o como único governante do Império Romano. Se o rio transbordasse nessa zona, a água correria sem impedimentos rumo ao centro histórico da cidade.

Aldo Fiori, engenheiro hidráulico da Universidade de Roma Tre e especialista no sistema hídrico de Roma, modelou as próximas cheias do Tibre com base em informações sobre as mais recentes, simulando a sua extensão e profundidade presumindo a ocorrência de eventos com diferentes períodos de retorno. Em todos os cenários, o Panteão ficaria inundado com, no mínimo, 2,4 metros de água e o centro histórico sofreria danos graves.

“O Tibre sempre teve cheias ao longo dos milénios e a primeira cheia registada remonta ao século V a.C., mas aquilo que agrava o impacto duradouro destes eventos e a quantidade de solo impermeável que a água encontra”, diz Fiori, enquanto mostra simulações 3D apocalípticas de cheias que reproduzem cenários prováveis. A cheia de 1598, a pior alguma vez registada em Roma, matou um número estimado de 3.000 pessoas – cerca de 3 por cento da população da cidade na altura.

Soluções radicais foram ponderadas no passado. A grande cheia ocorrida em Dezembro de 1870, poucos meses após a captura de Roma pelo Exército Italiano e a dissolução dos Estados Papais, levou Giuseppe Garibaldi, o herói da unificação de Itália a propor um projecto incrivelmente ambicioso para desviar o Tibre e poupar Roma às cheias e à malária para todo o sempre.

“Em retrospectiva, o plano era muito inteligente”, diz Fiori, mencionando que a cidade espanhola de Valencia desviou o rio Turia na década de 1960 após uma cheia desastrosa. “No entanto, uma análise custo-benefício feita na altura optou por construir muros de contenção, o que revelou ser apenas uma solução parcial para conter o rio.”

Actualmente, abordar a permeabilidade do solo é praticamente a única forma de reduzir os riscos e limitar os danos. “As regras sobre a utilização do solo impõem o princípio da chamada ‘invariância hidráulica’, que significa que, para cada centímetro quadrado de solo que é impermeabilizado, deve ser criada igual área de solo permeável. Mas este conceito pode ser enganoso, uma vez que não resolve o problema hidrológico, ou seja, o que acontece no subsolo em termos da distribuição de água”, diz Fiori.

As bacias de infiltração, jardins de chuva e outras soluções naturais que recolhem enormes volumes de água e a deixam infiltrar-se lentamente até ao solo são soluções inovadoras para mitigar os riscos em zonas urbanas propensas a inundações como Roma. Contudo, adverte Fiori, “se forem construídas sem uma visão global, podem não ser benéficas e, em alguns casos, podem até ser contraproducentes. É necessário desenvolver um plano abrangente e cuidadosamente coordenado para assegurar que os mecanismos de infiltração funcionam da maneira certa. Não podemos andar passo a passo. Neste caso, a ideia de uma visão global para a cidade não é apenas um slogan inspirador e vazio, mas algo muito prático para fazer as coisas funcionar.”

Roma
ANDREA FRAZZETTA, NAT GEO IMAGE COLLECTION

Turistas visitam o Fórum de Roma. As chuvas extremas aumentaram em frequência e intensidade desde 2008, provocando cheias significativas na zona urbana de Roma. O recém-criado Gabinete para o Clima da cidade está a trabalhar numa estratégia de adaptação, que será apresentada até ao próximo Outono.

UMA VISÃO PARA ROMA

A pessoa encarregada de elaborar um plano global para Roma é Edoardo Zanchini. Arquitecto e ambientalista de longa data foi nomeado director do recém-criado Gabinete para o Clima da cidade em 2022. Em 2021, o Conselho Municipal de Roma aprovou um plano para alcançar uma redução de 51 por cento das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. O Gabinete para o Clima está a desenvolver esforços para apresentar uma estratégia de adaptação no próximo Outono.

Como será o novo plano? “Será tudo menos aquilo que tem sido feito a nível nacional”, diz Zanchini. “Num passado recente, o Ministério do Ambiente e outros departamentos produziram muitos livros e artigos de investigação muito longos e muito interessantes, mas sem apresentar soluções para problemas práticos. A minha abordagem é a contrária. O meu gabinete foca-se em identificar prioridades e conceber medidas eficazes para os problemas locais, que podem ser radicalmente diferentes dependendo de cada bairro da cidade.”

As três prioridades definidas por são Zanchini: impedir que Roma fique sem água, mitigar os riscos de cheias desastrosas e criar medidas de emergência que contrariem o efeito das vagas de calor mortíferas durante o Verão, que afectam desproporcionalmente as pessoas idosas e com fragilidades económicas.

Roma tem cada vez mais ilhas de calor urbanas, onde a mortalidade entre as pessoas com mais de 65 anos é o dobro da que se verifica em zonas verdes. Os investigadores estimam que aumentar o número de árvores e investir em infra-estruturas urbanas verdes possa reduzir a mortalidade em 200 indivíduos por ano.

Para Zanchini, a tarefa de elaborar um plano para preservar Roma e os seus mais de 2.800 anos de história deveria parecer assustadora. Contudo, ele está optimista.

“Com uma abordagem pragmática, poderemos fazer muita coisa”, afirma, “desde reparar as fugas do nosso aqueduto a investir na plantação de árvores adultas na maioria das áreas cimentadas de modo a proporcionar alívio imediato às pessoas que nelas vivem”.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.