Porto Santo surpreende porque, sendo uma ilha de baixos relevos, uma caminhada que contemple subir a vários dos seus picos mudará para sempre essa impressão inicial, ganhando o respeito mesmo dos caminheiros habituados a calcorrear as serranias do continente ou as levadas e vertentes da Madeira.

Surpreende porque o seu esqueleto vulcânico apresenta elevada geodiversidade. Há desde o negro e familiar basalto, dos picos Espigão, Juliana e do Facho, aos acinzentados mugearitos, como os do Pico de Ana Ferreira, com a sua imponente escadaria de prismas deitados. Mais para Leste surgem relevos talhados em rochas vulcânicas de tons mais claros, traquítico-riolíticos, como o Pico Castelo e Pico Branco, desconhecidos da Madeira e raramente vistos no continente. Surpreende porque, sendo Porto Santo uma ilha de aspecto seco e árido, uma caminhada pela vereda que circunda os picos do Castelo e do Facho, em direcção ao Pico Juliana, ou no troço final da vereda Pico Branco – Terra Chã, oferece ao caminhante bosques verdejantes de insuspeita frescura, sobretudo para quem desta ilha apenas reconhece a sua soalheira baía. 

Um dos locais do Porto Santo onde ocorre o eolianito.
LUÍS QUINTA

Um dos locais do Porto Santo onde ocorre o eolianito.  Esta rocha, um arenito constituído por areias carbonatadas de restos de algas e conchas de moluscos, cimentado durante o Quaternário, fornece a maior parte da areia para a actual praia do Porto Santo.

Surpreende pela suavidade das suas areias douradas, convidando a uma caminhada a pé descalço. São únicas pela ausência do áspero quartzo como nas do continente, ou dos duros minerais escuros das demais ilhas vulcânicas, como as dos Açores. Na realidade, correspondem a acumulações maciças de pequenos fragmentos de algas calcárias, conchas de moluscos e outros pequenos organismos, todos fossilizados e cobertos por uma patine amarela de óxidos e hidróxidos de ferro.

Mas o mais surpreendente é o seu registo fóssil repleto de corais, moluscos, equinodermes e rodólitos (as típicas “laranjas” do Porto Santo). Isto ocorre apenas nas ilhas onde o vulcanismo se extinguiu há mais tempo, repondo a descoberto os testemunhos fossilizados dos mares tropicais que as rodearam, no caso do Porto Santo, há mais de 10 milhões de anos.  Estas evidências tropicais estão particularmente bem preservadas nos dois ilhéus principais, o de Baixo e o de Cima, que o viajante apenas avistará a partir da ilha principal, pois, pelo seu estatuto de conservação, a visitação carece de meios náuticos e de pedido prévio endereçado ao Parque Natural da Madeira.


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Aos mais experientes, no ilhéu de Baixo, estarão reservadas paisagens notáveis, perspectivas únicas e mesmo o interior das galerias de rocha carbonatada explorada durante séculos para produção de cal. Foi essa circunstância que justificou o topónimo ilhéu da Cal, pois dali extraíram-se grandes quantidades de rochas carbonatadas para queima em fornos, quer no Porto Santo, quer na Madeira. No topo aplanado, a par das edificações dos ranchos de gerações de mineiros, ainda é possível testemunhar os ingredientes dos seus repastos, espalhados pelo chão. 

Sector leste da ilha, ao fundo, tirada a partir do Ilhéu das Laranjas.
LUÍS QUINTA

Sector leste da ilha, ao fundo, tirada a partir do Ilhéu das Laranjas. Ao centro destaca-se o Cabeço das Laranjas, onde ocorre uma das maiores acumulações alaranjadas de rodólitos (concreções de algas marinhas) fósseis conhecidas no mundo.

Já o ilhéu de Cima tem trilhos recentes e de mais fácil acesso. A ascensão ao topo tem como aliciante uma visita ao farol, a descoberta de gastrópodes terrestres endémicos e a busca da impressionante tarântula local. O viajante deve igualmente deter-se no Cabeço das Laranjas, onde fossilizaram enormes quantidades destes fósseis de algas calcárias, acumuladas durante violentas tempestades tropicais. Os mais reticentes a subir ao topo podem deleitar-se com a caminhada pelas longas e verdadeiras “Pompeias” recifais, antigos recifes de corais in situ, ou os tubos de lava, localmente conhecidas como “Pedras do Sol”, que as conservaram praticamente intactas, desde o instante em que foram subitamente enclausuradas por lava e cinzas vulcânicas.

Porto Santo é uma cápsula do tempo.

Artigo publicado originalmente na edição nº23 da Edição Especial Viagens "Paraísos de Portugal" (2021)