Talvez consequência ancestral do isolamento que os Açores sempre sentiram, com erupções vulcânicas e sismos frequentes, inexplicados e incompreendidos, a fervorosa devoção religiosa sublinha uma das características sociais e culturais do arquipélago. E em nenhum outro momento isso é mais notório do que nas festividades do Divino Espírito Santo, trazidas para os Açores pelos primeiros povoadores com o intuito de proteger os fiéis da inclemência natural. Remontam à Idade Média, tendo origem na oferta de comida aos mais desfavorecidos pela rainha Santa Isabel e realizam-se 50 dias após o domingo de Páscoa, terminando no domingo de Pentecostes. As cerimónias têm lugar, habitualmente, aos domingos, durante sete semanas após a Páscoa (as chamadas “domingas”).

 

PROCISSÃO EPÍRITO SANTO
ANTÓNIO LUÍS CAMPOS

Festividades do Divino Espírito Santo 

Marcam a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos e discípulos cristãos, reunidos na festividade judaica das Colheitas, após a da cevada e no início da do trigo. Embora celebrado de diferentes formas, acontece nas nove ilhas açorianas. Muito ligado ao mundo rural, reveste-se de variações identitárias em cada comunidade, no que toca aos rituais, gastronomia e, em particular, à arquitectura dos impérios.

Estes diminutos santuários apresentam uma traça original e arquitectura inconfundível. Aparentemente similares a capelas, são propriedade das irmandades seculares, e não da Igreja, o que, segundo rezam as crónicas, levou a algumas acesas disputas no passado. Os impérios guardam as insígnias do Divino Espírito Santo: a coroa, o ceptro, o orbe e a bandeira. Em nenhum outro lugar como na Terceira são tão coloridos e sumptuosos. A ilha guarda quase meia centena.


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A coroa do Espírito Santo
ANTÓNIO LUÍS CAMPOS

A coroa do Espírito Santo com orbe e o ceptro enquadrado pela pomba branca.

 

As cores fortes, garridas, e em alguns casos o próprio formato original dos edifícios destacam-nos do casario maioritariamente branco, impondo uma presença indelével na paisagem terceirense.

Os impérios são a componente material destas festividades, mas é à volta destes que acontecem as festas profanas e religiosas e sempre com um teor caritativo. São vários os momentos altos: as coroações do Imperador Menino, os cortejos, as funções e os bodos, grandes repastos em que são servidos pão, carne ou sopas à comunidade. Estes, por vezes oferecidos por promessa, ora são abertos ao público, ora apenas por convite e chegam a ter centenas de comensais. Por tradição, o almoço da sopa do Espírito Santoconsiste numa nutritiva receita, que varia de ilha para ilha, mas que tem sempre como base um caldo de carnes e pão. A sua confecção começa de madrugada, bem cedo, em grandes panelas onde todos os ingredientes são cozinhados.

Após a cozedura, é retirado o caldo, que é depois servido sobre o pão, resultando numa espécie de açorda temperada com hortelã e acompanhada com carne e legumes.

 

Artigo publicado originalmente na edição nº39 da revista Viagens National Geographic dedicada aos Açores e à Madeira