“Estou de regresso de Pompeia e sinto-me melancólico por causa de um triste espectáculo. É impossível uma pessoa ver aquelas três figuras deformadas sem se comover. Morreram há 18 séculos, mas são criaturas humanas em agonia. Não é arte, não é uma imitação. São os seus ossos, as relíquias da sua carne e as suas roupas misturadas com gesso: é a dor da morte que se apodera do corpo e da figura… Até à data descobriram-se templos, casas e outros objectos que despertam a curiosidade das pessoas cultas, dos artistas e dos arqueólogos, mas agora tu, meu Fiorelli, descobriste a dor humana, que é algo que todos os homens sentem.” Foi com estas palavras que, na sua "Lettera ai pompeiani", de 1863, Luigi Settembrini falou na técnica de decalque desenvolvida pouco antes por Giuseppe Fiorelli, arqueólogo e numismático italiano.

Três vítimas da erupção de Pompeia enquanto tentavam fugir da cidade no chamado Jardim dos Fugitivos.
CORDON PRESS

Três vítimas da erupção de Pompeia enquanto tentavam fugir da cidade no chamado Jardim dos Fugitivos.

Após a erupção do Vesúvio em 79 d.C., a cidade de Pompeia foi sepultada por lava sólida e pedra-pomes, provocando o desabamento de muitos tectos. Também foi completamente soterrada por cinzas que deram lugar a uma cortina negra que cobriu tudo e enterrou homens, animais e objectos.

"São criaturas humanas em agonia. Não é arte, não é uma imitação. São os seus ossos, as relíquias da sua carne e as suas roupas misturadas com gesso: é a dor da morte que se apodera do corpo e da figura…"

No estrato compacto e resistente formado pela deposição destes materiais, formaram-se uma série de “vazios” com o passar dos séculos: os corpos dos defuntos decompuseram-se, mas as suas silhuetas conservaram-se nas cinzas. Foi no início do século XIX que Fiorelli se apercebeu da importância destes “vazios”, daquilo que representavam e de tudo aquilo que poderiam explicar.
Desde então, todos os vazios que iam aparecendo no extracto de cinza endurecida foram preenchidos através desta técnica, como os esqueletos de dois homens descobertos em 2021, presumivelmente escravo e amo, que foram surpreendidos pela segunda onda piroclástica enquanto tentavam fugir do que restava de Pompeia, após sobreviverem a uma noite terrível.


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 Decalque de um cão que morreu na erupção do Vesúvio de 79 d.C.
THE GRANGER COLLECTION, NEW YORK / CORDON PRESS

Decalque de um cão que morreu na erupção do Vesúvio de 79 d.C.




O pão de Pompeia



O método Fiorelli

Antonio Bonucci, director das escavações de Pompeia no ano 1823, disse que havia vestígios de uma porta nas cinzas, mas só em 1856 é que se pensou em obter um decalque despejando gesso sobre elas. Quando se tornou director das escavações, entre os dias 2 e 5 de Fevereiro de 1863, Fiorelli decidiu experimentar o mesmo sistema com restos humanos. Preencheu o “vazio” deixado pelos restos de uma das muitas vítimas de Pompeia com uma mistura de gesso e água e esperou que a mistura solidificasse. Em seguida, expô-lo.

Decalque de uma vítima da erupção do Vesúvio de 79 d.C.
THE GRANGER COLLECTION, NEW YORK / CORDON PRESS

Decalque de uma vítima da erupção do Vesúvio de 79 d.C.

O resultado foi extraordinário: um decalque exacto da vítima sepultada sobre as cinzas e os sedimentos, congelada nos seus últimos instantes de vida. Graças à técnica elaborada por Fiorelli, foi possível observar os restos das vítimas de Pompeia de um ponto de vista diferente: o que tinham vestido e o que levavam consigo na fuga.

A primeira experiência realizada por Fiorelli permitiu observar, de uma perspectiva completamente diferente, os restos de quatro seres humanos: um homem, uma mulher deitada de lado, uma rapariga e uma mulher com o rosto coberto e o ventre proeminente.

O rasto dos habitantes de Pompeia, revelado quase 2.000 anos mais tarde graças à técnica de Fiorelli, é conhecido como “decalque” e, sobretudo nos primeiros anos, incluía restos não decompostos como ossos e dentes.

Settembrini definiu esta técnica como “a dor da morte que se apodera do corpo e da figura”, e, desde o século XIX até à data, foi possível recuperar os decalques de mais de 100 vítimas graças a esta técnica.