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Pisa

Cidade de mármore. A catedral românica de Pisa e o seu esbelto campanário, a torre inclinada, são os símbolos do esplendor económico, cultural e artístico que a cidade viveu ao longo dos séculos XI e XII.

Foi uma das repúblicas italianas que se assenhorearam das águas do Mediterrâneo e o mar concedeu-lhes dias de glória. No entanto, o confronto com Génova e Florença levou ao desaparecimento do seu porto e à perda da sua independência.

Texto: Jacopo Mordenti

A história de Pisa é, mais do que a de uma cidade, a de um porto que teve enorme relevância no desenvolvimento das rotas comerciais mediterrâneas. Surgiu numa zona húmida entre os rios Arno e Auser (o actual Serchio), onde se construíram pontos de ancoragem que determinaram a história de Pisa desde as suas incertas origens – as quais, ao que parece, remontam ao século V a.C. De facto, o chamado “porto pisano” destacou-se na Antiguidade pela sua capacidade de acolher numerosas frotas, entre as quais a romana.

O porto pisano foi protagonista decisivo na história da cidade durante a Alta Idade Média. Ali desembarcaram os embaixadores enviados ao imperador Carlos Magno pelo califa de Bagdade, Haround al-Rashid, carregados de presentes. Foi a manutenção e constante desenvolvimento deste sistema portuário que permitiu a Pisa afirmar-se como potência naval entre os séculos X e XI.

República marítima

Embora Pisa estivesse subordinada politicamente ao ducado de Luca durante muito tempo, no século X já era a cidade central do território conhecido como “Marca de Tuscia”, que abarcava toda região da Toscana e que se estendia de leste a sul. Do seu porto, partiram ao longo do século XI importantes expedições contra os muçulmanos da Calábria, Sardenha e do Norte de África e, nesse mesmo século, o marquês de Tuscia começou a ser conhecido como “marquês de Pisa”. A cidade registou grande crescimento e os cronistas da época documentaram a prosperidade económica e vitalidade cultural. O biógrafo de Matilde de Canossa (condessa da Toscana e uma das grandes aristocratas do seu tempo) reportou, com uma certa perplexidade, a presença em Pisa de mercadores provenientes de todas as regiões do mundo: “Turcos, africanos, partos ecaldeus.”

A ascensão de Pisa consumou-se entre os séculos XI e XII. No âmbito interno, consolidou a sua autonomia em relação aos marqueses da Toscana até se constituir, no fim do século XI, como uma comunidade regida pelos cônsules, que daria lugar depois à república.

Pisa

Clique na imagem para ver detalhes. O rio Arno era o cordão umbilical que ligava Pisa ao seu porto. Pelas suas águas chegavam as mercadorias que eram descarregadas nos cais fluviais ao longo do rio, onde se erguiam residências privadas e os grandes edifícios públicos.

A Era Gloriosa

A potência naval de Pisa apareceu no século XI, quando os seus habitantes se estabeleceram na Sardenha e na Córsega, ilhas que disputaram ferozmente com os genoveses durante mais de cem anos. O auge da cidade chegou durante as cruzadas no século XII e na primeira metade do século XIII, quando os seus navios transportavam para o Oriente armas, ferro da ilha de Elba, madeira dos Apeninos, lã, peles e couro, e regressavam com especiarias, seda ou algodão. Nesta época, construíram-se as muralhas e o fantástico conjunto da Praça dos Milagres 2, bem como, entre outras, as igrejas de Santa Catarina e Santa Maria della Spina 4.

Submissão a Florença

Incorporada em Florença em 1406, Pisa teve de enfrentar a ruína do seu porto e a crise da indústria têxtil causadas pela concorrência florentina. No governo de Florença, os Médici prestaram atenção especial à rival submetida. Já no século XVI, Pisa foi integrada no Grão-Ducado da Toscana, criado em 1569. O seu primeiro titular, Cosme I de Médici, fundou em 1562 na cidade a Ordem dos Cavaleiros de Santo Estêvão, que viria a conduzir a remodelação da Praça dos Cavaleiros 5, centro da Pisa medieval; entretanto, os lungarni continuavam a manter magníficas residências de nobres e de ricos patrícios.

No campo económico, essa foi a sua época dourada: a cidade teceu uma teia de influências que se estendeu pelo Mediterrâneo e compreendia o Norte de África, o Egipto, a Síria, a Ásia Menor e o mar Negro. Desta forma, Pisa tornou-se (juntamente com Veneza, Génova e Amalfi) uma das grandes repúblicas marítimas italianas que controlavam uma fracção substancial do comércio mediterrâneo.

Por outro lado, a cidade participou na primeira cruzada com 120 navios e o apoio dos pisanos foi fundamental na conquista de Jerusalém, em 1099. Todos estes factos dotaram a cidade de grande influência política: no dia seguinte à ocupação da Cidade Santa pelos cristãos, o bispo Daimberto (ou Dagoberto) de Pisa foi eleito patriarca de Jerusalém.

As cruzadas permitiram a criação dos Estados Latinos do Oriente, territórios em mãos cristãs cuja existência Pisa aproveitou de imediato, instalando ali novos postos comerciais.

Comércio e conhecimento

A importância de Pisa como potência marítima não se cingiu ao âmbito comercial. O seu contacto com os mais avançados conhecimentos que circulavam pelo Mediterrâneo favoreceu a transmissão à civilização ocidental. Neste sentido, destaca-se Leonardo Fibonacci, também conhecido como Leonardo Pisano, um grande matemático que introduziu na Europa o sistema de numeração árabe e a numeração decimal. De criança, Leonardo viajou com o pai, Gugliermo, escrivão da alfândega de Pisa, para Bougie (na actual Argélia), onde aprendeu os princípios da matemática árabe.

Leonardo

Leonardo Fibonacci. Gravura do século XIX.

Fascinado como o que actualmente se conhece por números arábicos – que na realidade são provenientes da Índia –, decidiu viajar pelo Mediterrâneo para estudar com matemáticos muçulmanos de destaque.

Por volta do ano 1200, Leonardo regressou à sua terra para escrever a obra Liber abaci, onde mostrava a enorme importância daquele sistema numérico e onde descrevia o número zero – uma inovação na matemática europeia. A esta obra seguiu-se Practica geometriae, redigida vinte anos depois, que se tornou a obra de geometria mais avançada do mundo ocidental.

Como a matemática no Ocidente era bastante rudimentar, o Liber abaci enfrentou num primeiro momento a desconfiança de muitos intelectuais, pouco dispostos a abandonar os seus métodos tradicionais. E isto apesar de Fibonacci oferecer a solução para problemas típicos relacionados com a matemática mercantil como a compra e venda, a conversão de pesos e medidas, a contabilidade comercial e os empréstimos. Contudo, foi convidado para a corte do imperador Frederico II, interessado por ciências e pela matemática. Anos mais tarde, em 1241, o trabalho de Fibonacci foi reconhecido pela sua cidade, que lhe concedeu um salário anual de 20 libras.

Grandes obras públicas

Pisa do século XII alcançou igualmente resultados extraordinários no campo artístico, já que o contínuo crescimento da cidade foi acompanhado da construção de grandes obras arquitectónicas. O duomo, a catedral medieval de Santa Maria Assunta, é uma das primeiras manifestações da riqueza cada vez maior da cidade. A sua construção começou em 1064 a cargo do arquitecto Buscheto e, na sua decoração, participou, entre 1173 e 1180, o grande escultor Bonanno Pisano.

Pisa

O Santo patrono de Pisa. No Camposanto, o vasto monumental cemitério de Pisa, este fresco de António Veneziano mostra o regresso à cidade do seu patrono San Rainiero, filho de um mercador rico de Pisa. Século XIV.

Não menos importante foi a construção do baptistério – o maior de Itália – projectado por Diotisalvi, com um perímetro de 107 metros. Em 1153, todas as famílias pisanas concordaram em pagar uma taxa especial e elevada para que esta imponente obra fosse executada. Foi construído nas imediações da catedral, e o estilo românico do piso térreo deu lugar, no século seguinte, ao gótico da galeria superior e da cúpula, obra de Nicola e Giovanni Pisano. Em 1173, começou a construção do campanário, a “torre de Pisa”, no extremo oposto da catedral, perto da sua cabeceira. Mas o terreno foi cedendo e a torre começou depressa a inclinar.

Além da sua capacidade para construir monumentos religiosos, a Pisa do século XII mostrou uma enorme capacidade de previsão que a levou a ampliar as infra-estruturas necessárias à sua condição de potência marítima. Por exemplo, no porto pisano melhoraram-se as estruturas de atracagem, armazenamento de mercadorias e recepção de viajantes. Além disso, uma densa rede de canais e fossos permitiu aos pisanos conter as constante ameaça de obstrução dos atracadouros, o que permitiu, ao mesmo tempo, ganhar áreas urbanizáveis e terrenos de cultivo.

Uma cidade turbulenta

O progresso económico não impediu que a cidade fosse minada por profundas diferenças sociais. Entre os séculos XI e XII, este facto manifestou-se no aparecimento de movimentos religiosos que atraíam distintos sectores da população. Assim, por exemplo, os patarini, protegidos do imperador Frederico II, encontraram apoio nos operários da indústria têxtil; por seu lado, entre os seguidores dos valdesi destacaram-se os camponeses e os artesãos; e o movimento dos umiliati (os “humilhados”) obteve o apoio dos operários da lã e de outras pessoas de condição humilde.

Pisa

O românico de Pisa. As fachadas do baptistério e, por detrás deste, as da catedral estão decoradas com os arcos cegos típicos do gosto pisano.

Às diferenças religiosas e sociais juntaram-se os violentos antagonismos entre as famílias mais notáveis, de cariz feudal mais do que comercial. A história pisana da Baixa Idade Média caracteriza-se por uma série de transformaçõesinstitucionaisviolentas, queacabaram por reflectir-se nos territórios sob seu domínio. Assim, no século XIII, a Sardenha foi o primeiro cenário de confronto prolongado e brutal entre os condes Della Gherardesca, e os Visconti, guelfos que apoiavam o papa.

No plano internacional, a consolidação de Pisa depressa colidiu com a expansão das restantes repúblicas marítimas italianas.

Embora as relações com Veneza não fossem idílicas por força das reiteradas tentativas dos pisanos para dominar o comércio em Bizâncio (cujo controlo ficara em mãos venezianas), os confrontos mais intensos registaram-se com Génova: o primeiro choque deu-se em 1118 e o conflito arrastou-se durante séculos por todo o Mediterrâneo: afectou a Córsega, a Sardenha, os Estados Latinos do Oriente e os reinos hispânicos.

Mapa de pIsa

Clique na imagem para ver detalhes.

Em 1284, a frota de Pisa sofreu a tremenda derrota de Meloria contra Génova. Este acontecimento, que é muitas vezes considerado como o início do declínio pisano, também ilustra a crueldade das lutas políticas na cidade: o comandante da armada pisana, Ugolino della Gherardesca, foi acusado de traição e condenado a morrer de fome com os seus filhos. Dante evoca este episódio na Divina Comédia; no canto XXXIII do Inferno, um desesperado Ugolino, fechado na Torre della Muda, alimenta-se dos cadáveres dos filhos. O factor determinante para a decadência de Pisa foi o seu reiterado apoio aos gibelinos e ao imperador e o seu confronto com os guelfos de outras cidades. É verdade que as boas relações com o imperador Frederico I proporcionaram a Pisa, entre 1162 e 1165, o reconhecimento da sua autonomia e o domínio de um vasto território. Mas a ajuda que os pisanos prestaram a Frederico II em 1241, quando interceptaram os cardeais que se dirigiam por mar para o concílio de Roma, valeu-lhes um amplo descrédito.

No início do século XIII, a cidade ofereceu também a sua ajuda a Henrique VII, mas, depois da repentina morte deste, em 1313, Pisa teve de enfrentar sem ajuda os exércitos de Nápoles e das guelfas Luca e Florença. A sua brilhante defesa valeu-lhe uma trégua honrada, mas o isolamento pisano já era evidente.

O final da época dourada

Depois de perder em 1326 o controlo da Sardenha por força de um conflito com Aragão, Pisa teve de limitar a sua acção a um âmbito cada vez mais regional, o que a levou a colidir com outra cidade da Toscana, Florença, em plena ascensão comercial e económica. Fustigada pelas epidemias de meados do século XIV e consumida por constante agitação social e política, Pisa foi vendida em 1399 por Gherardo d’Appiano, que naquela altura era o seu senhor, a Giangaleazzo Visconti, duque de Milão. Escassos seis anos depois, o filho deste vendeu-a a Florença.

Pisa

O zénite da escultura. No interior da catedral de Pisa, destaca-se o púlpito, uma refinada obra-prima do gótico europeu que Giovanni Pisano terminou de esculpir em 1310.

Durante o domínio florentino, Pisa empobreceu materialmente e sofreu com a deterioração hidrográfica, que causou a expansão de pântanos e o definitivo encerramento dos portos (já no século XIV o porto pisano foi abandonado em prol de outros portos, dos quais nasceria Livorno). Ilustres comentadores políticos como Luigi Guicciardini defenderam que isto fora obra deliberada dos florentinos para dobrar a resistência pisana.

Em 1494, ocorreu a última tentativa de Pisa para reconquistar uma independência que seria perdida definitivamente em 1509. Os dias de glória da antiga república nunca mais regressaram.

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