Robert Boyle, o primeiro químico moderno

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28 de Fevereiro de 2022

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Filósofo natural, químico, físico, inventor e teólogo, Boyle foi um dos intelectuais mais multifacetados do seu tempo. Considerado como o primeiro químico moderno, a sua obra teológica é uma das mais complexas do século XVII.

Robert Boyle nasceu no Castelo de Lismore, no condado irlandês de Waterford, em 1627. Era o décimo quarto filho de Richard Boyle, conde de Cork, e da sua esposa Catherine Fenton. Esta morreria em Fevereiro de 1630, pelo que, desde o seu nascimento, o pequeno Robert ficou aos cuidados de uma ama. Ainda assim, recebeu uma educação requintada que começou com tutores particulares e continuou no elitista Eton College, onde permaneceu como interno desde a sua entrada, em Setembro de 1635, até 1639, altura em que começou o Grand Tour pela Europa, ao lado do seu irmão Francis e um tutor. Durante quase cinco anos, Robert dedicou-se a percorrer vários países da Europa. Em 1641, chegou a Itália, onde visitou Veneza, Florença e Roma, entre muitas outras cidades. Estando em Florença, em 1642, soube da morte de Galileu, cujo paradoxo teve a oportunidade de ler. Na altura, já se manifestara o seu enorme interesse pela ciência, à qual decidiu dedicar-se ao regressar ao Reino Unido, em 1644.

O castelo da família. Considerado o pai da química moderna, Robert Boyle nasceu no impressionante castelo irlandês de Lismore, adquirido pelo seu pai, um colono e aventureiro inglês que tinha conseguido juntar uma grande fortuna.

Não quis estabelecer-se na Irlanda. Inglaterra oferecia-lhe mais oportunidades de prosseguir a investigação e instalou-se na sua casa de Stalbridge para se consagrar à ciência. Para tal, vinculou-se ao grupo de investigadores do chamado Colégio Invisível, uma instituição precursora da Royal Society, em que uma série de cientistas ou “filósofos da natureza”, como se autoproclamavam, entre os quais se encontravam o teólogo e naturalista John Wilkins, o descobridor da célula vegetal Robert Hooke ou o arquitecto Christopher Wren, se reuniam a fim de aprofundar questões científicas ou do pensamento, através da experimentação. Isso não significou que se desvinculasse das suas propriedades irlandesas. Entre 1647 e 1652, realizou frequentes viagens às suas terras em Limerick, onde chegou mesmo a pensar estabelecer-se, embora tenha rejeitado a ideia devido à falta de possibilidades académicas que a sua terra natal apresentava. Isso levou-o a afirmar que num “país bárbaro como este, os espíritos químicos são mal compreendidos”. Em 1654, depois de uma queda de cavalo, decidiu regressar a Inglaterra e mudar-se para Oxford, onde se instalou no Inverno de 1655-1656.

Membro da Royal Society

Admirado pelos avanços do Colégio Invisível, em 1662, o rei Carlos II de Inglaterra decidiu constituir uma   sociedade   dedicada   ao   estudo e ao progresso das ciências. Foi chamada de Royal Society of London for Improving Natural Knowledge (Real Sociedade de Londres para o Avanço da Ciência Natural). Na carta de constituição, o matemático William Brouncker foi nomeado presidente; Robert Hooke, “comissário de experiências” e Boyle, membro do conselho reitor. Mais tarde, em 1680, foi eleito presidente, mas recusou a honra, indicando divergências de critério com o regulamento estabelecido.

O contributo de Robert Boyle para a Royal Society foi inestimável. Não apenas por contribuir com uma nova abordagem na relação entre a ciência e o credo religioso, ou pelas suas experiências químicas, mas também pela sua fé extraordinária no progresso científico que o levou a propor uma lista de 24 possíveis tópicos de estudo, entre os quais figuravam alguns, naquela altura, tão insólitos como a forma de retardar a velhice, as possibilidades de criar uma “arte de voar” – como chamou às possíveis experiências aeronáuticas –, recursos para conseguir navios insubmergíveis ou alguns projectos farmacológicos destinados a aliviar ou suprimir a dor.

A lei de Boyle-Mariotte, uma rara coincidência.

Por vezes, a ciência tem a virtude de unir duas personalidades ilustres. Foi o caso de Robert Boyle e Edme Mariotte, que, de forma independente e simultânea, formularam a lei que relaciona o volume e a pressão dos gases numa temperatura constante.

Depois de ter conhecimento da criação da bomba de ar, em 1657 pelo físico alemão Otto von Guericke, Boyle concentrou os seus esforços em melhorá-la e desenhou, em 1659, a “máquina boyleana” ou “motor pneumático”. Foi o ponto de partida para as suas experiências sobre as propriedades do ar e dos gases. Um dos trabalhos que publicou em 1660. Pouco depois, perante a controvérsia que se gerou, formulou e demonstrou a lei que estabelece que, numa temperatura constante, o volume de uma massa fixa de gases é inversamente proporcional à pressão que este exerce. Paralelamente, em Paris, o abade e físico Edme Mariotte (1620-1684) estudou a compressão de gases e chegou à mesma conclusão de Boyle, embora se deva a ele a descoberta de que a temperatura tem de ser constante, algo que o britânico não tinha manifestado. Daí que a lei seja conhecida como “de Boyle-Mariotte”. Na imagem, Experiência com um pássaro numa bomba de ar (1768), de Joseph Wright de Derby (National Gallery, Londres).

Totalmente dedicado às actividades da Royal Society, em 1668 Boyle decidiu transferir a sua residência para Londres. Solitário e pouco amante da vida social, permanecia solteiro, pelo que optou por se instalar na casa da irmã, Lady Ranelagh, em Pall Mall. Katherine Boyle-Jones, viscondessa de Ranelagh por casamento, era uma mulher excepcional. Membro, tal como o seu irmão, do Colégio Invisível, manteve aberto, na sua residência londrina, um salão onde se discutia filosofia, ciência e política, que foi frequentado pelo poeta John Milton ou pelo pensador e pedagogo Samuel Hartlib. Os seus conhecimentos científicos fizeram dela a melhor colaboradora do irmão (um papel que a ciência lhe negou durante séculos) ao longo dos 23 anos que conviveram em Londres, até que ambos morreram em 1691, com apenas alguns dias de intervalo.

O cientista teólogo

Apesar da sua dedicação à ciência, Boyle não se manteve alheio à política do momento. Assim, embora se desconheça em que medida participou em acções políticas concretas, durante o tempo que residiu em Oxford, foi membro do Cavaliers, uma facção anglicana e monárquica que, na época, se opusera ao governo de Oliver Cromwell.

Todavia, o seu envolvimento não passou de um episódio pontual. O mesmo não aconteceu com a sua condição de teólogo. Homem de fé profunda e com uma extraordinária fidelidade aos princípios da Igreja anglicana, o seu pensamento rejeitava frontalmente toda a polémica e inclinava-se a encontrar a explicação para questões de ordem prática, a fim de poder de conciliar a prática da ciência com o cristianismo. Por volta de 1665, propôs-se assumir a direcção do colégio de Eton, para o que se teria de ordenar sacerdote anglicano, um requisito que, naqueles tempos, era essencial para governar a instituição docente. Recusou-se a fazê-lo, alegando que os seus tratados sobre teologia seriam mais valorizados caso a sua autoria pertencesse a um leigo e não a um membro do clero. Isso não foi obstáculo para que a sua condição de crente o levasse a gastar avultadas quantias de dinheiro para intensificar a acção evangelizadora da Companhia das Índias Orientais, bem como para financiar a tradução da Bíblia para diferentes línguas, entre elas o malaio e o árabe. Escreveu também inúmeras obras de teologia, moral ou apologéticas, entre as quais importa destacar Ensaio sobre o estilo das Sagradas Escrituras (1663), A excelência da teologia comparada à filosofia natural (1664), A veneração que o Homem deve a Deus (1685) e, acima de tudo, O cristão virtuoso (1690), um tratado de moral cujos princípios éticos seriam mais tarde retomados por John Locke em A racionalidade do cristianismo (1695).

A primeira grande descoberta. Os primeiros passos para a formulação da sua célebre lei foram dados por Boyle em Oxford, na década de 1650, depois de deixar a Irlanda em 1654, decepcionado com a incompreensão do seu trabalho científico por parte dos seus compatriotas. Na imagem, a primeira bomba de ar ou “motor pneumático”, numa ilustração da primeira edição (1660) de Novas experiências físico-mecânicas. Notas sobre a elasticidade do ar e os seus efeitos.

Desde 1689, a saúde de Boyle deteriorava-se progressivamente, a ponto de o obrigar a cancelar todos os seus compromissos públicos. A sua reclusão na sua residência londrina foi tão extrema que apenas recebia a visita de uns poucos discípulos ou colegas muito restritos a fim de poder ter notícias das suas investigações científicas, mas em dias previamente definidos e de acordo com um rígido horário. Os seus momentos de solidão consagrou-os à sua vertente de teólogo, organizando as suas notas pessoais  e  a  criar um legado científico com base nas suas últimas descobertas químicas, com o objectivo de abrir o caminho aos “estudiosos da arte da química”. No dia 3 de Dezembro de 1691, morreu a sua irmã e colaboradora. A saúde de Boyle, já muito debilitada, não resistiu ao golpe e, no dia 31 do mesmo mês, faleceu na sua residência londrina. Foram ambos sepultados no cemitério de St. Martin-in-the-Fields.

O primeiro químico moderno

Boyle deixava atrás de si uma importante carreira científica que o fez merecedor do título de “primeiro químico moderno.” Foi ele quem materializou os princípios enunciados por Francis Bacon no seu Novum organum, embora, seguindo um peculiar sistema de trabalho, recusando-se a consultar ou julgar textos ou experiências anteriores, argumentando que para aprofundar um tema devia manter-se livre de preconceitos e basear-se nas suas próprias experiências. Foi igualmente o primeiro cientista que rompeu com a tradição alquimista. Boyle insistia em que os elementos são corpos unitários e primitivos que não derivam de outros anteriores, que são capazes de se conjugar entre si para formar compostos e que ascendem a uma quantidade muito superior à tradição aristotélica dos quatro elementos. Uma série de conceitos que plasmou na sua obra O químico céptico (1661), onde abria um novo caminho para a química mais próxima do conceito actual e totalmente afastada dos princípios defendidos durante séculos pelos alquimistas.

Estudou igualmente os ácidos e os alcalinos, dos quais descreveu inúmeras propriedades e descreveu também, pela primeira vez, o tom esverdeado que os sais de cobre conferiam à chama ou os vapores esbranquiçados resultantes da combinação de amoníaco com ácido clorídrico ou sulfúrico, e a precipitação da prata pelos cloretos e do cálcio pelos sulfatos.

A diferença substancial do pensamento científico de Boyle em relação aos que o tinham precedido reside fundamentalmente na consideração da química como a disciplina que estuda a composição das substâncias e não como uma matéria auxiliar para o alquimista ou para o físico. Adiantou-se, portanto, à visão moderna dos elementos como formações dos corpos materiais, e estabeleceu as diferenças entre corpos simples e compostos.