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A escravatura açoriana, uma história pouco conhecida

A emigração clandestina para o Brasil deu origem ao fenómeno da escravatura açoriana. Saiba mais sobre a história de um povo que partia em busca de melhores condições de vida.

PUBLICADO 4/08/2021, 14:11
Ponta Delgada

Vista do porto de Ponta Delgada.

FOTOGRAFIA DE DAVID BOYER/NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE

O fim do imperialismo europeu sobre o continente americano motivou, desde a primeira metade do século XIX, a passagem dos outrora designados como colonos à condição de emigrantes.

Em Portugal, a emigração organizada e dirigida pela colonização, predominante nos séculos XVII e XVIII, foi-se impondo a uma emigração espontânea canalizada preferencialmente para o Brasil, sendo este destino visto como terra de novas oportunidades, prosperidade e de melhores condições de vida.

Durante o século XVIII, a imigração de açorianos dilatou e, a partir da década de 30 do século XIX, quando o fluxo se intensificou, as autoridades e alguma opinião pública aperceberam-se de um fenómeno a que chamaram “escravatura branca” ou “escravatura açoriana”, relacionado com a emigração clandestina, transversal a todo o Portugal. Era uma designação paradoxal, num tempo em que se procurava reprimir e extinguir a prática do tráfico negreiro. Já no século XIX, o foco da emigração era para o tráfico de mulheres dos Açores, que chegavam sobretudo ao Rio de Janeiro e eram forçadas a trabalhar em prostíbulos.

Nos primeiros anos do século XX, o fluxo de açorianos ainda era percetível no Brasil. Entretanto, a partir de 1930 esta corrente entrou em declínio, graças à lei estabelecida por Getúlio Vargas, que instituía cotas de migração para o Brasil, contendo assim a chegada de pessoas de outras regiões, como os Açores.

Os meios de comunicação esforçaram-se por denunciar

Algumas vozes procuravam denunciar os malefícios socioeconómicos destas transações, mas, em períodos de crise e de escassez frumentária, a emigração assumia contornos de única e possível solução face à falta de empregos e de subsistências.

Os açorianos tinham fama de bons trabalhadores e encaixavam-se na perfeição no perfil dos alvos que as Companhias de Colonização queriam fazer chegar ao Brasil. O destino era promovido por aliciadores e capitães de navios, à revelia dos preceitos estipulados por lei.

A escravatura açoriana dizia respeito, na maior parte das vezes, a contratos de trabalho desvantajosos para os emigrantes, ou mesmo a própria venda desta mão-de-obra em território brasileiro.

A imprensa assumiu um papel de relevo na consciencialização das autoridades locais, regionais e nacionais, relativamente aos problemas em torno da saída regular de açorianos para o Brasil, evidenciando a outra face da emigração.

Relacionado: Estes 9 memoriais revelam o impacto global da escravatura.

Foram sendo feitas publicações de correspondência do Brasil e de testemunhos de colonos que sofreram na pele as duras condições de trabalho, onde para sobreviverem tinham de trabalhar dia e noite, o pouco que lhes pagavam e o tanto que lhes cobravam.

Assumindo o claro propósito de esclarecer e desmistificar o mito do El Dourado brasileiro, os jornais lançavam-se contra o negócio do aliciamento, tido como responsável por um estado de serventia que desesperava os colonos, ao ponto de recorrerem à fuga. Chegavam a ser recorrentes as notícias que tinham por mote “escravatura açoriana”, onde se publicavam listas de portugueses mortos no Brasil e, inclusive, apelavam-se aos padres para persuadirem os crentes a não embarcarem nesta viagem.

A perceção do fenómeno da escravatura açoriana

Foi então na década de 30 que surgiu a expressão “escravatura branca”, empregue pela primeira vez pelo secretário de estado José Maria Campelo, correspondendo à designação do tráfico de emigrantes, em especial do norte de Portugal e das ilhas da Madeira e dos Açores, ficando também conhecido como “escravatura açoriana”.

Por inícios de 1839, o deputado Almeida Garrett também denunciava o fenómeno do comércio da “escravatura açoriana” que se fazia nas ilhas dos Açores, por estas estarem sujeitas a condições de manifesta desigualdade face ao continente, quando os habitantes das ilhas eram descendentes de portugueses e não de povos conquistados.

Almeida Garrett, como viveu algum tempo nas ilhas, testemunhou as condições precárias de vida de muitos dos insulares, ultrapassados nas suas reivindicações pelo poder central. Além disso, a localização do arquipélago e a facilidade ao nível de deslocações e de transportes levavam a que se mantivessem ligações com o continente americano.

Em 1840, o deputado Sá Nogueira clamava pela necessidade de manter uma comissão com vista a propor meios para travar o fenómeno nocivo que atingia particularmente as ilhas açorianas, nomeadamente, a escravatura açoriana.

Dos Açores para o outro lado do Atlântico

A “escravatura branca” ou “escravatura açoriana” resultava, portanto, de vários fatores relacionados com o transporte dos colonos, com as condições laborais e de vida a que eram sujeitos no território de acolhimento.

Em primeiro lugar, sobressaía a forma como era realizada a travessia do Atlântico, sendo que os imigrantes clandestinos seguiam em navios sobrelotados e sem condições, onde escasseavam os alimentos e a água potável. A falta de higiene agravava as doenças, que proliferavam facilmente. Muitos não chegavam sequer a desembarcar no ponto de destino, enquanto outros o faziam em precárias condições de saúde.

Apesar da navegação a vapor ter garantido algumas vantagens, como a redução do tempo de viagem, os emigrantes continuavam a sofrer inúmeras discriminações, lembrando os navios negreiros em que, outrora, eram transportados os escravos africanos.

Em segundo lugar, aumentavam as condições precárias de trabalho. Na maioria dos casos, os emigrantes partiam presos a um contrato pré-estabelecido que os subjugava a um contratante durante, pelo menos, cinco anos. Muitos destes contratos eram ilegais e constituíam um disfarce para situações de exploração ou a dita escravatura açoriana.

O analfabetismo foi um fator marcante

Desde logo, os emigrantes, movidos pela esperança de um futuro melhor, empenhavam tudo o que tinham para conseguir partir e, à conta do contrato, eram obrigados a descontar, do futuro salário, o pagamento da passagem, acabando por ficar sujeitos a situações abusivas.

Não sabendo contar e desconhecendo a moeda, eram facilmente ludibriados, sendo que o analfabetismo os tornava presas muito fáceis para os aliciadores e empregadores estrangeiros, dos quais se tornavam totalmente dependentes.

Se na década de 1840 os emigrantes oriundos dos Açores eram regularmente vendidos em leilão como escravos, com a repressão e consequente abolição do tráfico negreiro, a condição dos imigrantes analfabetos e desprevenidos agravou-se.

As práticas de aliciamento e o combate à “escravatura açoriana”

Os periódicos locais, sempre que possível, insistiam em alertar contra os perigos da emigração clandestina ou aliciada que, quase sempre, revelava situações de miséria, contrastantes com as ilusões e as esperanças imaginárias com que partiam os emigrantes. As diferentes formas de “escravatura açoriana” sujeitavam famílias inteiras.

Em 1842, por intermédio do Ministério da Marinha e do Ultramar, os governantes procuraram, por força da lei, restringir pelo modo possível o tráfico da escravatura açoriana. Todavia, desde logo se reconheceram os obstáculos, uma vez que nenhuma lei proibia a mudança de domicílio.

Ainda assim, foi publicada uma portaria pelo Major General da Armada, os seus intendentes e outras autoridades que, entre várias disposições, obrigava à apresentação de passaporte, ao transporte de passageiros em conformidade com regras bem definidas, incluindo um abastecimento de comestíveis e de água.

Os índices de emigração clandestina nas ilhas dos Açores chegaram a tal ponto que, em 1859, o Primeiro-Tenente da Armada, Aires Pacheco Lamare, foi destacado para ir em comissão à ilha de S. Miguel, com a finalidade de propor meios adequados para travar este fenómeno.

Em 1863, o Regulamento Geral de Polícia, de 7 de abril, voltava a incluir medidas relativas ao policiamento das embarcações, estipulando até a tipologia de navios destinados ao transporte de emigrantes. Uma vez mais, a falta de meios ou a inércia das autoridades fez ressurgir esta questão em 1876.

A repressão da emigração clandestina era, muitas vezes, infrutífera

Foram várias as tentativas de repressão da emigração clandestina, muitas delas modeladas em leis infrutíferas, uma vez que o aliciamento dos emigrantes constituía um problema difícil de extinguir.

Os agentes iam de aldeia em aldeia anunciar ilusões e fortunas utópicas, levando a que os locais, desejosos de melhorar as suas vidas, vendessem algum bem seu e assinassem uma escritura, para depois pagarem a passagem com o seu trabalho.

A escravatura açoriana é uma parte da história de Portugal pouco conhecida, mas que, ainda assim, marcou a identidade do povo açoriano.

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